31 de mar. de 2007

Maravilhas do Caleidoscópio

João Lôbo*

O extraordinário poder de persuasão da mídia contemporânea, em seu onipotente e quase onipresente conjunto formado, entre outros instrumentos audiovisuais, por rádio, jornal, televisão, cinema, vídeo e, especialmente, a internet – a rede mundial de computadores interligados -, inoculou na mente de milhões de pessoas, em todo o mundo, uma absurda certeza: a de que tudo se sabe sobre os universos físicos e simbólicos dos quais os seres humanos fazem parte e continuamente constroem no tempo e no espaço.

Essa onisciência talvez seja o mais terrível engano de nossa época. O erro de imaginar que o mundo que nos cerca, por ser linguagem, foi completamente traduzido, e que nada mais resta senão apoderar-se de tudo o que já foi visto, dito, escrito, coreografado, interpretado, fotografado, musicado, filmado, pintado, desenhado e construído ao longo da história. O recuo da ciência, aliada às comodidades proporcionadas pelas sucessivas revoluções tecnológicas, contribuiu para a completa materialização dessa alienação.

A Expedição Terra da Gente Paraíba, capitaneada pelo multimídia Guy Joseph diluiu essa ilusão, pelos menos em nosso pequeno território, ao revelar uma parte significativa dos extraordinários tesouros históricos, artísticos, culturais e ambientais que permaneciam ocultos aos olhos embotados de tanto saber, à espera, somente, de uma nova sensibilidade, capaz de reconhecê-los, captá-los e trazê-los à tona não como troféus de uma conquista, e sim como partes esquecidas de nossa própria alma.

Claro, nem tudo é novidade neste trabalho. Nas bateias desse minucioso garimpo, metais raríssimos foram encontrados ao lado de pedras preciosas de há muito conhecidas, mas cuja beleza não diminuiu pelo fato de terem sido revolvidas e separadas, mais uma vez, do velho cascalho. Os olhos exultam em revê-las, até porque, muitas vezes passaram despercebidos os seus brilhos, as suas formas e as suas cores. Só os tolos haveriam de se cansar diante das jóias incrustadas nesta geografia.

Do imenso acervo fotográfico construído por Guy Joseph ao longo de quase três anos, do qual este álbum é apenas uma pequena embora significativa mostra, surge, através de um maravilhoso caleidoscópio, uma inusitada Paraíba. Uma terra cuja pluralidade de ambientes e situações a torna singularmente importante no mundo que alguns insistem em tornar globalizado, identificando a tudo e a todos com uma única aldeia, onde o diferencial pelo artesanato seria eliminado pela produção industrial apátrida e indiscriminada.

A Paraíba cambiante das nuvens e chuvas; dos mares, rios e cachoeiras. Dos açudes brilhantes e cristalinos olhos d’água. Das monocromáticas culturas de subsistência e coloridas plantações de hortifrutigranjeiros. Das ainda bucólicas florestas tropicais sobreviventes. Dos remansos escondidos sob frondosos juazeiros e imponentes oiticicas e baraúnas. Dos pequenos, floridos e bem varridos quintais e imensos pastos particularizados pelas cercas excludentes de arame farpado.

A Paraíba pacífica das garças solitárias. Do enigmático pio metálico do gavião, do tinido estranho do ferreiro, do saudoso ruflar de asas nas revoadas de arribaçãs. Da mítica asa-branca, dos inquietos marrecos e vertiginosos mergulhões. Dos papagaios e periquitos “cuidando de suas cores”. Dos ninhos anônimos embalando filhotes no galho de favela que balança ao vento. Do chilrear alegre das andorinhas nas torres das igrejas, dos sinos badalando nas manhãs dominicais.

A Paraíba de solo esturricado, pedregoso e espinhento. Dos imensos e quentes lajedos habitados de cobras, lagartos e escorpiões. Da beleza extasiante do xique-xique, das coroas-de-frade, da “Tocha incendiada das macambiras cor de sangue”. Da cadência das ondas quebrando nas rochas, dos redemoinhos levantando folhas secas. Dos grotões e furnas esconderijo de onças; de pássaros, répteis e invertebrados desconhecidos.

A Paraíba de gente “moderna”, de antigos beatos, neo-crentes, de remanescentes quilombolas e lendários sobreviventes dos bandos de cangaceiros. Do heróico povo habitante anônimo de tantos lugarejos. Da Cabeça Satânica, da Besta Fera, do Papa Figo, da Cabra-Cabriola. Da Literatura de Cordel, dos violeiros, poetas cantadores e repentistas. Da Nau Catarineta, o Bumba-meu-Boi, Caxado, Coco-de-roda, Ciranda e Quadrilhas Juninas. Da vaquejada, cavalhada, reisado, buchada, peixe no coco, rapadura e cuscuz no leite.

A Paraíba das majestosas igrejas barrocas, dos modestos santuários, dos casarios, das pracinhas, do artesanato, das artes plásticas, da música, da dança, do cinema, do teatro, da literatura, do circo, da arquitetura, das guerras, das grandes conquistas e tão poucas derrotas. Do povo pobre, criativo e ordeiro e das tribos atuais ornadas das últimas novidades. Da violência de promíscuas favelas, dos ciclos de vingança, da falsa democracia. De uma epopéia sem fim sob os signos de Deus e os artifícios do Diabo.

*João Lôbo é fotógrafo
Texto extraído do livro, Terra da Gente Paraíba

Um comentário:

Anônimo disse...

Antes de mais nada,Parabéns pelo seu belissímo trabalho,posso dizer que conheci um pouco mais da Paraíba através do seu site. Sou Portuguesa e moro aqui em João Pessoa há 9 anos e sou uma apaixonada por esta terra! Vi o seu nome no blog de Cristovam Tadeu de quem sou amiga,bateu curiosidade fiu ver,e ainda bem que fui curiosa...rs....também sou jornalista e fotografa de sangue e de paixão! Adorei as fotos de Zabé da Loca,que conheço pessoalmente,estive inclusivé no lançamento do CD em Monteiro ,subi aquelas pedras e visitei a Loca da Zabé,uma das experiencias mais curiosas que tive,Zabé é uma mulher fantástica! Obrigado por nos presentear com tão belas imagens! Um abraço Carla Freire Já agora visite nosso site www.lusobrazil.com.br